Reparem que a comparação não é feita entre Porto e Quelimane, ou Evoramonte e Lichinga. Porque não é possível. Mas o debate está em aberto ainda hoje. E está porque como já o disse, não é possível comparar papas de sarrabulho com matapa, ou o cheiro a bolota às 17h00 de maputo com o da humidade lavada de Cintra. Simplesmente não é. Duas cidades em tudo diferentes com ligações "umbilicais", nem sempre pelas melhores
razões e por muitas pelas melhores deste mundo. A eterna e deliciosa indecisão - o que é melhor ter, viver, cheirar.
Sendo eu uma pessoa altamente suspeita porque optei por Maputo claramente, existem "podres" de Maputo que
não lembra o diabo.
Talvez a mais flagrante a questão do lixo, que hoje já está mais resolvida (falamos de cidades),
mas paira ainda um certo ar bacteriano que não faz nada bem à saúde, dado que resultam em doenças já erradicadas numa europa, ou lisboa.
O trânsito de Lisboa é um inferno, admitamos de uma vez por todas, quando aí vivi eu gastava eternidades para me resolver no trânsito, e eu conheço as secundárias, só faltava dar a volta pelo Alentejo, vinda do Lumiar para chegar ao Cais do Sodré. Em Maputo, e apesar dos imensos carros hoje existentes se comparados ao tempo do Samora, são já muitos e só complica porque a única avenida que suporta este tipo de trânsito é a Av. Eduardo Mondlane pelas suas totais 6 faixas (lindíssimo porque se vê claramente do aviâo), o resto são ruas com duas vias de cada lado, um separador no eio a complicar e salvar maiores desgraças. O lema aqui é "se conduzir, beba, beba muito". Nas últimas 3 semanas morreram 3 jovens resultantes de rodas e copos. Temos aqui uma subida que vem de 25 de Setembro para a parte de cima da cidade, entrando na conhecida Julius Nyerere, e eu vi com estes olhos um derrapagem com cerca de 200 metros a subir!!! Pode? Por outro lado, temos um fenómeno interessante e que penso seja o resultado da má sinalização, ou inexistente. Conduz-se devagar, mas conduz-se mal. Existe a falta de conhecimento do código de estrada per si, uma grande falta de orientação espaço-geográfica e noção de física da estrada e por fim a postura na estrada. Um peão aqui, olha vê carro e avança! Existem nas famílias Moçambicanas 3 tipos de tragédias: sida, malária e atropelamentos.
Em Maputo, levamos máximo 10 minutos a chegar a casa, temos tempo. Qualitativo. Efectivamente. Quando vivi em Lisboa, eu nem almoçava quase. Resulte daí todas as consequências positivas para a família, os amigos, tratar de algo. Em Lisboa nem pensar...não há tempo. E o tempo voa. Em Lisboa eu comia um sopa em pé qual quioske sofisticado da falta de tempo. Em Lisboa eu tinha dificuldade em combinar um cinema ou teatro com uma amiga. Chegava a levar 6 meses sem ver um amigo.
Em Maputo, reconstroi-se. Tenho para mim que a minha geração e que é a "X" , foi o resultado daquilo porque os nossos pais e avós lutaram, a liberdade a democracia. Houve uma certa falta de algo com que lutar por. Mas eu tinha uma luta, um objectivo que pela voraz forma da cidade de Lisboa nos envolver se tornou difícil de contornar. Eu tinha que voltar para África, para Maputo. Todos os dias circulava a segunda circular olhando de esguelha para a saída que dizia aeroporto, pensando com um vazio profundo "quando voltaria eu?".
Esse vazio com que vivi muitos anos em Lisboa, são a razão pela qual eu não poderia nunca comparar estas duas cidades. Porque tal como um processo de crescimento, aprendi a gostar de ambas as cidades. Cada uma com as suas características próprias. Esse pulsar que nos identifica e nos torna cidadãos.
Há "detalhes" lisboetas que Maputo nunca terá e há maneirismos maputenses que Lisboa nunca conseguirá atingir. É uma forma cultural de "estar". Mais aberta, desprovida dos kilos de roupa que nos aquecem o esqueleto, algo livre de demandas sociais e posturas obrigatórias do tipo "a senhora por acaso é familiar do Luís" ao que eu respondia "sim, sim ela canta e eu encanto", como se o sangue azul, vermelho ou rosa fosse um determinante de estatuto.
Adoro tanto os eléctricos amarelinhos que me passeavam pela Sé, como adoro ver o macua (moçambicano do norte, guerreiro, excelente escultor do pau preto) a conduzir o batelão (sem saber se ele aguenta a pequena travessia), a meter o cigarro dentro da boca, para que o mesmo não acabasse rápido com o vento marítimo. Ou ver uma tonelada de palhinha a descer o rio durante 6 semanas e essa constituir o abastecimento de palhinhas à cidade de Maputo. A própria palhinha que serve de barco. Técnicas de certo anciãs. A história aqui tem contornos diferentes daqueles que habitualmente fomos habituados, existe a história escrita e a oral. Fascinante e perigosa.
E nem sequer tocarei na estrutura de apoio ao cidadão, à mulher. Essa é uma outra conversa. Nem nas praias......entendam estas reticências. Eu tinha de competir por um espaçinho no portinho de arrábida ao sol, o pedaço .
É melhor concluir, mas tenho a sorte de ter o melhor dos dois mundos.
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