segunda-feira, novembro 01, 2004

HÁ GAJOS BONS

desconheço o autor
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Por entre os escombros de uma campa de mármore

cinzenta, que levava as inscrições dispersas o nome de

Pedro Paulo Perreira Pinto, no cemitério velho da

Maxixe, Castiano Lucas Rungo, escapou, numa manhã

quente em Dezembro de 1992, a um linchamento certo, por

parte de cinco homens munidos de catanas que

procuravam repôr a honra da família por terem

encontrado na cama do irmão, que se aviara para as

minas da África do Sul, Rungo, completamente despido,

rasfatelado e gemendo entre as coxas de Terezane,

cunhada destes.

Adultério era a palavra certa para descrever aquele

ambiente, que se comentou em manhãs infindáveis, por

toda a extensão do distrito. O assunto de que

Castiano atropelava, em sábados quentes e chuvosos, a

honra dos Warethuana, foi difundido de boca em boca

duas semanas até a fatídiga noite em que foi flagrado,

em delito.

Nessa noite, o céu estava limpo, e a lua apresentava

um ligeiro corte. Castiano tinha trajado um fato

branco, vindo da Ilha de Mucucune onde vivia e

dedicava-se a actividade pesqueira, seu meio de

subsistência.

Conhecera Terezane, no cais da Maxixe onde esta ia aos

sábados a busca de peixe.

Ofereceu-lhe peixe vermelho, da primeira - de borla.

"Passe a vir buscar todos os sábados dez quilos".

"Está bem, o senhor é muito simpático"

"Amei os teus olhos e o teu sorriso"

Ela abriu a boca e com os dentes alvos que tinha,

espalhou um sorriso largo. Honesto. Monumental.

Três sábados depois, Novembro findava e marcaram o

primeiro encontro. Castiano Lucas Rungo, como nos

sábados que seguiriam, até desembocar no cemitério da

Maxixe velha, em fuga, onde escapou do linchamento,

passou a cortar a baía, com o seu barco a vela, e nas

noites em que o vento não soprava, ele remava para

rever os dentes alvos e honestos de Terezane.

"Gosto muito de ti Terezane"

"Também gosto muito de ti Castiano"

"Porque não vens comigo para a ilha que te farei a

mulher mais feliz da terra".

"Não posso"

"Porquê?. Porquê Terezane?!"

"Estou no lar e o meu marido volta em breve da África

do Sul, mas se quiseres podes vir ficar comigo até de

madrugada e depois voltas".

Assim foi nos sabádos seguintes, facto testemunhado

pelos cegos da zona que fizeram a informação circular

de forma vertiginosa, nas duas semanas seguintes por

toda a extensão do distrito.

Os cunhados tomaram conhecimento e montaram uma

emboscasda. Estavam armados de catanas.

Bateram à porta. Terezane perguntou: "Quem é?"

Eles não responderam. Castiano, virou-se para ela e

disse, não ligues que a esta hora da madrugada só

podem ser ladrões.

Ele estava por cima e ela por baixo, quando a porta do

quarto desabou e ela gritou: " Foge Castiano são os

meus cunhados".

Duas catanas passaram-lhe rente as orelhas, enquanto,

com o fato branco nas mãos pulava a janela, correndo

na direcção oposta do mar onde estava o seu barco: ia

em direção ao cemitério. Eram duas da manhã. Castiano

Rungo, entre campas dispersas, escondeu-se numa árvore

enquanto vestia.

Até o primeiro galo cacarejar as buscas continuavam,

quando de repente, Rungo exausto e assustado encontrou

uma campa entreaberta com as inscrições dispersas, gravado estava o

nome de Pedro Paulo Perreira Pinto. Meteu ali a roupa

e totalmente nú, completamente transpirado, sentou

sobre ela quando foi abordado pelos cinco dos cunhados

que ainda empreendiam a busca:

"O senhor não viu um senhor aqui de fato branco?".

Ele manteve num silêncio sepulclar.

Eles insistiram, com algum receio na questão:

"O senhor não viu um senhor aqui de fato branco?".

Finalmente, depois de sentir os primeiros raios que se

abateram sobre o seu dorso nú disse:

"Estou a sair desta campa dezoito anos depois da minha

morte ainda por esclarecer. Estou cansado do calor que

me atormentava".

Ao ouvirem aquelas palavras, as catanas dos cinco

Warethuana cairam em solo firme. Tremeram. Desmaiaram.

Castiano Lucas Rungo meteu a mão no sepulcro pegou no

fato branco, vestiu, passou pelos homens desmaiados,

localizou o barco e nunca mais voltou a Maxixe.

Há gajos bons.

POR UM MOÇAMBIQUE MAIS UNIDO!

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