Um colaborador da nossa revista, escreveu e disse:
Por António Botelho de Melo
Lisboa, 15 de Novembro de 2004
Com um logotipo que mais parecia o do Daily Planet do Super-Homem por detrás, e a palavra “verdade” enigmaticamente escancarada em primeiro plano, Pedro Santana Lopes encerrou no passado fim de semana na improvável cidadezinha do interior português de Barcelos, o mais recente congresso do seu partido, que governa em coligação com o microscópico CDS-PP, procurando buscar a legitimidade e a iniciativa que não possuía em virtude de quem ele é e da forma como ascendeu ao poder.
Retrospectivamente, compreendo mas considero agora um erro a decisão do Presidente da República, José Sampaio, de, na sequência da demissão de José Manuel Durão Barroso do cargo de primeiro-ministro para se posicionar como o candidato de consenso para Presidente da Comissão Europeia, permitir que o PSD avançasse em sua substituição com o seu número dois – o supracitado Pedro Santana Lopes, que presidia ao município de Lisboa, onde o seu desempenho estava a ser digamos que menos que fantástico.
Mas não foi só o acto em si e a questão da legitimidade – para já não falar do estilo “showoff, vacas gordas e party” que tende a caracterizar a personalidade e forma de agir de Santana Lopes. O timing não podia ter sido pior. A economia não está a reagir positivamente aos desafios de hoje, e as famosas reformas não se fazem com coragem. O grande enfoque do governo de Santana, sabemos agora, é velha - cobrar mais e forte nos impostos, taxas, coimas, multas, portagens, emolumentos etc - tudo, a todo o custo, para arranjar dinheiro para tapar os buracos, e fazer algumas reformas mínimas que tornem tal possível. Falam em aumentar algumas pensões mas não há dinheiro para isso. Tirando a venda de activos do Estado para tapar buracos, o resto é matéria de Estado-polícia cuja eficácia permanece por ser confirmada.
E todos olham para a eleição parlamentar de 2006. Nesse sentido, para além de não tentar criar inimigos até lá, os grandes interesses não são mexidos. Em vez disso, há um grande enfoque pela minoria no poder em controlar o fluxo de informação, directa ou indirectamente, ou pressionando as empresas privadas de informação ou gerindo de forma directa aquelas empresas que são consideradas, de uma forma ou outra, “serviço público”, caso da RTP, RDP, Grupo Lusomundo, etc.
É que se aplica aqui aquele velho truísmo da comunicação: o que parece, é.
Politicamente, os portugueses vivem numa fase complicada. Praticamente toda a oposição está decapitada, de gente e especialmente de ideias. À direita, o CDS-PP está alegre e contente em coligação (até se ver) e à esquerda o PS ainda não recuperou do processo Casa Pia, que minou de forma singular a sua cúpula, através do “diz que disse” e a gestão danosa e desastrosa do Engº Guterres. O sucessor de Ferro, José Sócrates, ainda pouco mais fez que ensaiar o Discurso de Oposição mas ainda tem muito que fazer, nomeadamente acabar de uma vez com os complexos de esquerda. Mas, fartos, os portugueses já preferem o PS, é uma espécie de voto pela via do desgaste.
Do PCP nem valeria a pena dizer muito para além de que prossegue a sua decadência. Carvalhas, o sucessor de Álvaro Cunhal (que fez a semana passada 91 anos de idade) é demissionário e parece que o seu sucessor vai ser Jerónimo de Sousa, um hardline dos tempos antigos que vai entreter a malta comuna em piqueniques saudosos no Alentejo e falarão de quando o marxismo-leninismo ainda era colorido pela propaganda e pela ignorância.
Ou seja, não só se observa um vácuo de contra-poder a quase todos os níveis, como o próprio PSD, por uma série insólita de eventos, foi “assaltado por um grupo de neo-conservadores bem falantes mas rascas, defensores de um fundamentalismo virtual (ou melhor: falso), sem soluções para o futuro mas cheios de desejos de mandar e de projectar imagem e decisão, dominados por um pequeno grupo de decisores na penumbra, e sem qualquer pudor em utilizar os instrumentos do Estado para concretizar os seus fins.
O que é uma pena. O PSD que eu respeitava e até admirei era um partido aberto, abrangente, que reflectia as sensibilidades do homem pequeno e médio da rua, do pequeno comerciante, conservador numas coisas mas tolerante noutras. Tinha os seus barões mas em média reflectia a sensibilidade rural e também a citadina. Era, no fundo, a referência que Santana Lopes está sempre a fazer quando repetidamente fala de Sá Carneiro.
Só que Santana Lopes não é Sá Carneiro, nem de perto. Nem a era que se vive hoje a dos tempos (ainda turbulentos) após os perigos e os excessos de 1974-1976. De alguma forma, os perigos hoje são maiores. Corre-se o risco de uma anemia de poder, que passa a ser gerido por uma clique escondida, se migre para os extremismos de opinião, os mesmos que, não precavidos, acabaram com a monarquia portuguesa em 1910, e precipitaram a I República num caos sangrento que só estancou com a longa, penosa, beata e corrupta ditadura de António de Oliveira Salazar.
terça-feira, novembro 16, 2004
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1 comentário:
Gostei. Já lhe pus link...
:)
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