Hoje foi dia do verbo. Nem sempre me encontro assim.
Mas África inspira-me, inspira-me tanto que optei por viver nela, mesmo que o custo seja extremamente elevado, duro e difícil. De todos os países por onde passei, vivi e estudei, este o Moçambique é o que me dá de retorno à alma. Mesmo que o atraso económico seja grande (penso nos milhões de pessoas que não têm um litro de leite por semana), mesmo que eu não tenha na esquina a seguir a livraria cheia de cultura diversificada, mesmo que o peso da história não esteja no abrir da janela como na mouraria, mesmo que o calor me frite a mioleira, mesmo que sofra de racismo, e viva num ambiente de grande machismo, mesmo que eu não tenha sequer a coragem de pisar o hospital, como fiz no outro dia e ía desmaiando do horror que vi da condição humana, mesmo que os indícios macro e micro económicos me envelheçam precocemente (alías já o fez), mesmo que eu não possa votar e tiver que ter um dire (documento de residência para estrangeiros) que tenha de ser renovado todos os anos, mesmo ao fim de 10 anos a viver cá, mesmo que e tristemente o HIV esteja a ceifar pior que a dama negra, mesmo que eu leve 4 horas para percorrer 120 kms para chegar a uma praia.
Aqui tenho o muito que é preciso fazer ainda. Aí está tudo feito. Ontem falava com um psiquiatra moçambicano, formado no brasil e cuja alma por lá ficou, e quando demos por nós, a conversa não tinha fim, os temas são ilimitados, o universo do "que é preciso ainda fazer" é vastíssimo e tivemos que marcar um encontro, mais que não seja para definir onde e como podemos dar, prestar o nosso contributo.
Com toda a certeza é porque é sexta-feira amanhã é dia de descanso e mais um aniversário.
Um dia destes dá-me para a poesia.
1 comentário:
Sei que África é uma verdadeira musa.
Eu vivi numa África moderna e mergulhei, aos dezoito anos, na míticas origens dos meus antepassados. Nunca tinha vindo à Europa. Nunca tinha pisado a Metrópole. Os relatos da vida lisboeta, do chique das senhoras que usavam luvas e chapéu todos os dias, apenas porque iam à baixa, fascinava-me.
Aprendi de cor o mapa das ruas de Lisboa e quando o avião se aproximava de Lisboa e vi o Tejo, senti um baque de uma saudade do futuro.
Por razões muito pessoais eu sentia que jamais voltaria a África. Sublinho: não tinha nada a ver com política. Era só mesmo um factor pessoal.
Sofri horrores ao longo de um ano em que a saudade quase me roeu por dentro. Mesmo assim mitigava a dita saudade com a convivência permanente com ultramarinos.
Acabei "por me virar sozinha" numa terra de frio, a andar ao contrário, com eléctricos e com televisão.
A decisão de ficar por cá já trazia na bagagem.
Voltei a Moçambique dois anos depois.
Senti-me estranha na minha terra.
Os amigos tinham outros amigos e a lógica de grupo era diferente. A família olhava-me com aquele misto de saudade para sempre e admiração que me incomodava, pois não me achava digna de tanta.
Eu tinha deixado de ser dos deles, definitivamente!
Voltei para Portugal, para sempre!
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