quarta-feira, janeiro 19, 2005

Sabedoria vem do Mar

Do tanto por que vivi, poucas coisas me marcaram ou impressionaram tão profundamente como o mar. Foi no mar que estranhamente, dado que era um pouco jovem, aprendi a estar comigo mesma, não só pelos mergulhos aceitando o silêncio aquático misturado com bolhas de ar, incrivél é ver uma enormidade de vida diversa, dispersa, numerosa, como também pelas intermináveis viagens feitas da baía de Maputo à Ilha da Inhaca. Espaço geográfico que nos restava na altura para algum gozo e não mentiremos, de onde extraíamos o ferro, pelo peixe do mar. Pescar ao corrico tanto servia de desporto como para termos peixe no congelador, fresco e muitas vezes abundante. Até os cães gozavam do menu, se a memória não me falha adoravam as entranhas cruas, qual sushi canino. Foi no mar que aprendi a ser paciente e tolerante, o acto de pescar podia levar horas até ouvirmos aquele zumbido do carreto, maravilhoso, mágico, misterioso sem nunca sabermos o que lá vinha. Eu fantasiava sempre por um tubarão, pela paixão que tenho por este animal específico. Eram horas por vezes, mais vento menos vento e antes de se ter um aparelho que nos indicava os cardumes, as gaivotas serviam perfeitamente, a andar atrás do pitéu, mais comumente chamado peixe. Todo aquele ritual também me mostrou que estar no mar, pescar e não ser pescado tinha regras de muitga disciplina, conhecimento e experiência. Existe uma que sempre funcionou nas praias, "nunca virar as costas ao mar", mas quando se está lá metido, sem terra à vista ou com terra, que costas podíamos nós proteger? Assim o mar também me mostrou respeito (neste caso muito respeito, tentarei não vos cansar com experiências vividas propriamente) porque tíinhamos de nos valer sem ter costas e sabermos estar constantemente de "costas" para o mar, o que me leva ao próximo ensinamento. Controlar o medo ou o receio, o mar para o bom e para o mau (na terra é tão diferente) ensinou-me a ser destemida, solta e confiante. Sim tudo isto pelo mar. Por outro lado, foi também o mar que me presenteou com beleza. Já passei por montanhas, lagos, zonas desérticas, rochosas (falta-me o grand canyon) e florestais, mas em nenhum deles tenha gasto tanto tempo para apreciar a paisagem como o tempo que estive no mar. O mar fornece talvez das paisagens mais dislumbrantes e equilibradas que até hoje conheci. O mar zanga-se e a sério, nessas alturas a resignação à condição de ser humano, mamíferos que somos temos de saber que a sobrevivência é a única forma de nos mantermos a respirar e assim dar-mos espaço à esperança, preserverança e fé. É preciso rezar muito quando nos encontramos em situação frágil no mar, ele engole-nos impiedosamente. Por ser fêmea estive sempre numa posição um pouco desvantajada, mas também aqui penso tenha tido a sorte de ter tido um pai que é aventureiro qb., e por esta razão foi-me possibilitada a experiência do mar: pesca, sair com a rapaziada e quase sempre sentada na prôa enquanto os homens lá atrás falavam, riam e bebiam o café quentinho (não imaginam como sabe bem, no mar ficamos sempre com sede de água e açucar),partilhei nesses momentos a amizade. De novo, quando estamos no mar e ele nos rodeia por todos os lados, existe um sensação de proximidade humana natural. Valemos por aquilo que somos e pela capacidade que temos para a situação em que nos encontraremos, caso o vento mude e nos estale uma tempestade. Foi também no mar que vi dor e tristeza, seja humana seja animal. Sítio perfeito para a melancolia, curar mágoas e quiça ter o tempo do mundo para as resolver. Custava-me muito ver dar a "vitamina" ao peixe, o anzól enfiado na boca do peixe o amordaçar sôfrego da morte anuniada do peixe. É um ser vivo e aqui aprendi que tenho uma força estranha aos meus valores de base. O radicalismo, o risco e o desporto no mar andam de mão dada. Um barco, máquina que é pode falhar e o mais certo, é falhar. A nossa criatividade terá de sair do baú. No mar a hierarquia humana é suplantada pela hierarquia universal, quando se está lá metido de nada nos serve: fofoca, inveja, ódios e rancores, "desimportâncias" que numa pequena onda, um momento de vento ou escuridão no mar rápidamente se esqueçe. Não há espaço para a mesquinhice nem para heróis. Batemos na humildade. O mar deu-me o lugar que tenho neste contexto e ensinou-me o valor que se dá a uma pequena pulga, microscópica agarrada entre dedos dos pés, é o valor que se dá a atos humanos. Está a parecer que não acabarei. Assim vou terminar por dizer o que o mar não me deu: o livro.

12 comentários:

Madalena disse...

Eu também gosto do mar mas não o senti nunca como tu descreves. A minha relação com o mar é mais platónica, menos experienciada, mas nem mesmo assim hesito em dizer que gosto do mar!
Lindo tudo o que dizes sobre o mar, mm!
Beijinhos

Nelson Reprezas disse...

Conheço como poucos o fascínio do mar, pelo que entendo cada palavra que dizes. E nele, como em tudo, podemos sempre ir buscar sabedoria. Quanto aos livros... há momentos na vida em que lhes dedicamos pouca atenção. Por falta de tempo, por falta de paciência, porque sim... mas eles são ainda e sempre a maior fonte de conhecimento e realização do homem. Quando menos esperares vais ter mais tempo para eles. Beijos :)

Passada disse...

Tempo para um livro há sempre Espumante. Estou agora a acabar o Código da Vinci...irei postar porque estou um pouco desiludida com ele. Veremos o fecho, mas acho que fica melhor em filme do que em livro. Tive a necessidade de confirmar algumas situações como o Priorado do Sião que afinal teve o seu primeiro registo em 1956...:)

Passada disse...

Madalena, bom dia para ti. Deste lado uma manhã lindíssima. Tentei não cansar, mas é o mar onde reside a minha paixão poética, a minha segurança e saber que lá quero ir parar na última morada. O mar é tanto de mágico como trágico, tive que me segurar no acontecimento da tsunami por saber bem a dificuldade que milhares de pessoas tiveram e pereceram. E depois controlamos tão pouco o mar, não temos essa capacidade e isso é ótimo. Beijinho para ti Mada.

eduardo disse...

Bom dia.
E que bem ficava aqui uma imagem desse Mar. Agora já não tens desculpa. Abri de propósito uma Oficina para que te ensinem como se faz.
(http://oficinadoedy.blogspot.com/)

Por outro lado, deixo aqui uma viagenzinha grátis:
(http://www.kanimambo.com/kan3n.htm)

Foi bonito de ler esse teu Mar.
Os meus cumprimentos.

Passada disse...

Eduardo, uma oficina para me ajudar? isto está a melhorar a olhos vistos. Não é todos os dias acredita. Irei lá, mas só para saberes já aki instalei o "hello" mas nem assim ke raio. They just don´t up-load!!! E tenho uma catraia de 10 anos a pedir-me para fazer um blog com ela, vai ser interessante. O Mar, será sempre uma grande fonte de inspiração. Bjinho para ti:)

Passada disse...

eskeci Eduardo, no Kanimabo, link para a informação verás lá uma caricatura minha...:)

peciscas disse...

Do mar viemos, ao mar sempre regressamos.

peciscas.blogspot.com

eduardo disse...

Bom dia.
Não disse ontem, mas lembrei-me hoje: quando estiver pronto o blog da catraia não esqueças de avisar, s.f.f..
Bom fim de semana.

Madalena disse...

Então, Passadita?
Há mar e mar, há ir e voltar.
Quando é que voltas?
Beijinhos

Passada disse...

Do mar nunca quis voltar Mada. :)

Nelson Reprezas disse...

Encalhaste no Saco de Stª Maria? Ou abrigaste-te na Ilha dos Portugueses à espera que abrande a "sulada" ? :)